“Bandidos
de toga”
Novamente
estou eu aqui, para falar de um tema atualíssimo.
Meus pensamentos expostos num varal público,
propositalmente, certamente acordarão a quietude que já se instala na mente de
alguns ou farão borbulhar a efervescência pré-existente em outros.
Mas
esta é a intenção: uma visão atordoante de idéias para acordar questionamentos
e suscitar mudanças, seja incitando dúvidas, seja gestando certezas.
E eu não poderia me omitir diante de uma situação
tão grave como a que foi divulgada pela então Corregedora do C.N.J, Eliana Calmon, já que inauguro meu blog
falando de Magistrados.
Antes, porém, uma história dentro de outra
história!
Eu
era uma Magistrada recém-empossada, iniciando a Carreira tão sonhada, com todo
o amor que só alguém totalmente vocacionado pode ter pelo que faz.
Muitos sóis rasgavam os céus dentro de mim, e eu
era o retrato de alguém que tivesse chegado ao podium explodindo em luzes e
cores. Eram minha meta e meu sonho de vida conquistados!
Nessa
época um turbilhão de matizes coloriam minhas emoções e intenções.
Queria,
em minha profissão, ser o melhor possível aquilo que eu pudesse ser.
Queria
escalar o topo de mim mesma para fazer tremular no mais alto mastro a bandeira
da Justiça.
E foi ainda imbuída dos encantamentos e vértices da
conquista do meu sonho que fui convidada, pela OAB de Barra Mansa, a participar
de uma palestra que seria proferida em sua sede por ilustre e conhecido Mestre
e autor de livros nos quais eu estudara e a quem eu muito admirava.
Não
hesitei nem meio segundo e aceitei! E logo estava eu lá, compondo a mesa
juntamente com um colega Juiz, da mesma área, para recepcionar aquele que seria
o palestrante.
Devo dizer que, por uma questão de elegância e
ética, não declinarei os nomes a que me refiro. Apontarei o milagre, mas não
revelarei o santo.
Naquela
noite, feitas as preleções iniciais e apresentações, permanecemos compondo a
mesa, embora não fosse haver qualquer debate.
Quando o convidado palestrante iniciou sua fala, (não sem antes pedir venia aos dois juízes
presentes), já começou fazendo graça, ao
atribuir ao juiz a alcunha de Batman,
numa alusão meio debochada à toga.
Em sua “didática” do fazer rir, percebi, de
imediato, que a palestra seria totalmente pontuada por severas críticas em
forma de gracejos e alusões não muito agradáveis aos Magistrados, como de fato
o foi, para diversão e delírio da platéia composta quase que exclusivamente de
advogados e estudantes de direito.
Devo dizer, a bem da verdade, que comecei a me
sentir altamente desconfortável naquela mesa, e foi-se acentuando uma forte
comichão no meu peito, que me arrebatava mais e mais, enquanto eu procurava não
tocá-la, com medo do que viesse a eclodir em minha garganta.
Minha
vontade era a de, elegantemente, pedir licença e sair dali, no meio da
palestra. Se não o fiz foi, tão somente, pela educação que eu administrava
juntamente com um intenso autocontrole.
Não me achava propriamente ofendida, pois tudo o
que ali se dizia não se aplicava a mim em nenhum aspecto, mas eu me sentia, de
certa forma, atingida pela indignação de vê-lo falar assim, de forma a colocar
todos os Magistrados num só pacote, transformando toda a categoria num bando de
maus juízes, que não recebiam os advogados com urbanidade, que não liam os
processos, que não gostavam de ouvir testemunhas, que sofriam influências, que
atuavam com parcialidade, que, enfim, cometiam uma série de pecados capitais e
barbaridades inadmissíveis numa carreira de tanta responsabilidade, e que,
conforme enfatizou, se sentiam e agiam como
deuses inatingíveis e inquestionáveis, acima dos simples mortais. Isso foi o
que ouvi!
Penso
que devo, aqui, fazer um parêntesis, para dizer que, naquela época, eu
acreditava incondicionalmente na JUSTIÇA e nos Magistrados, tanto que escolhi
ser Juíza, como meta de vida, para, com meu trabalho, ajudar a transformar
nosso mundo em um mundo melhor.
E era uma crença absoluta, sem senões, sem
reticências, baseada nos meus conceitos que aprendi, desde pequenininha, de
honestidade, correção, compreensão, doação, imparcialidade, gentileza, ética e
decoro, práticas que eu viria a exercitar, diariamente, em toda a minha
carreira, da mesma forma que em minha vida, fato de que (falo sem medo) são
testemunhas todos aqueles que de alguma forma militaram comigo durante os 19
anos em que atuei como Magistrada.
E
essa era uma crença definidora da visão que eu tinha dos Magistrados. E foi
baseada nela que transbordou de minha alma e escorreu pelo meu olhar a minha
indignação com tudo o que ali estava sendo falado.
Não retorqui pois não me competia palestrar nem
fazer apartes. Mas voltei para casa com aquelas palavras emboladas em minha
garganta, como pedaços de pão seco que tivesse engolido às pressas.
E,
confesso, aquela lembrança caminhou ao meu lado por um bom tempo, sem que eu
acreditasse em uma só palavra do que ali tinha sido dito.
Mas minha crença não vingou para sempre...
Lamentavelmente...
Aos
poucos, ganhando a confiança de todos os advogados militantes na Jurisdição,
pude, a princípio, perceber, mais tarde confirmar pessoalmente e, depois, ouvir
repetidamente deles próprios, muitas queixas contra Juízes, de todas as
instâncias e varas, não só trabalhistas, mas cíveis, estaduais e federais e
contra desembargadores de todos os Tribunais.
E eram queixumes dos mais diversos: desde a
má-vontade de receber os advogados para despachar, coisa que eu, aliás, penso
ser direito indeclinável dos mesmos e obrigação inquestionável dos Juízes, até
alegações de corrupção, principalmente em instâncias superiores (o que é
abominável), passando por desabafos no sentido de que os processos não eram
lidos, que decisões eram proferidas por outrem que não os próprios, que não
havia imparcialidade quando se tratavam de certas grandes Empresas ou órgãos, ou
de que o juiz, simplesmente, em nome da celeridade, cerceava a defesa, em todos
os aspectos, e, o mais grave, que alguns atuavam de forma intensa e
expressamente ignorante, de forma indelicada, estressada, mal-humorada, e,
inclusive, com notória falta de educação para com os advogados, sobretudo em
audiências pareciam querer terminar a qualquer custo, o mais rapidamente
possível, atropelando direitos, impedindo provas, ou humilhando, muitas vezes,
o profissional, diante de seus clientes, numa realidade inadmissível e
perversa.
E
como verdadeiras bombas, aqueles relatos foram se acotovelando em meus
pensamentos, onde, depois, vieram a eclodir em algumas lamentáveis
confirmações.
Em minha concepção, seja em nome de uma equivocada
celeridade, ou da implantação de uma ideologia fajuta que mais revela a
fragilidade de quem não tem segurança ou não confia em si mesmo, seja pela falsificada prática do “politicamente
correto”, nada justifica a invasão do espaço alheio, nem o cerceio do outro,
muito menos a utilização de qualquer cargo que seja para humilhar os
profissionais que dignamente procuram exercer sua profissão.
É
certo que errar é humano, mas persistir no erro é burrice. Quero dizer com isso
que um deslize desse gênero seria perdoável, mas não a constância. Também é
certo que esse não é o retrato de todos os Juízes, mas somente de alguns, o que
não deixa de ser lamentável.
E é aqui que entra a outra história: a fala da
ilustre Corregedora do C.N.J., Eliana Calmon, tão noticiada, tão vergastada,
tão aplaudida, tão criticada...
Não
me presto, aqui, a acusar ou defender, mas, tão somente, a analisar o que
noticiado amplamente pelos meios jornalísticos.
Tenho mencionado em minha vida que, sempre, importa
e impacta muito mais a forma como se fala do que o que se fala.
A
forma como a ilustre Corregedora se referiu aos juízes e desembargadores
denominando-os, genericamente, de “bandidos de toga” é que deflagrou toda a
sorte de indignações, por parte dos Magistrados, naturalmente.
Ao ouvi-la, foi como se revivesse os sentimentos
que tive naquela palestra a que me referi, que já se encontravam aprisionados
no sótão da consciência. Nova versão do velho problema. E as palavras, na forma
como ditas, mais pareceram flechas cuspidas com veemência, para atingir um
grande alvo. Contundentes! Acusatórias e lamentavelmente genéricas, deixando no
ar a triste impressão de que se referia a todos os Juízes. Por momentos,
pareceu-me, ali, que a ilustre e corajosa Corregedora se comprazia com o
êxtase da acusação, sem pensar nos perigos e complicações de sua fala genérica.
Mas, cutucada pelo meu senso de Justiça, tive que
admitir que havia, sim, alguns verdadeiros bandidos de toga, que teriam e têm que ser extirpados, antes que, como um
câncer que contamina e se expande, possam comprometer o corpo da Justiça.
E
digo comprometer não no sentido de que venham a transformar todos os demais Juízes em
bandidos, mas no sentido de que uma só sentença injusta contamina
irreparavelmente toda a Justiça.
Louvo-me, aqui, na verdadeira lição de vida do
maravilhoso escritor Ernest Hemingway, em sua obra “Por quem os sinos dobram”.
Ele diz: "A morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade"
Em entrevista concedida ao jornalista Rodrigo Rangel, da Revista Veja (15-08-2011), a Desembargadora Eliana Calmon,
com sua apregoada franqueza e coragem, mencionou: "Eu sou uma rebelde que
fala" acrescendo que "é comum a troca de favores entre magistrados e
políticos". E arrematou dizendo que o Judiciário está contaminado pela
politicagem miúda, o que faz com que juízes produzam decisões sob medida para
atender aos interesses dos políticos, que, por sua vez, são os patrocinadores
das indicações dos ministros.
E
me dói, no fundo da alma, ter que admitir que existem, realmente, Juízes desse
jaez, que andam se submetendo a pressões políticas para galgar cargos e ministérios,
senão fama e notoriedade, quando não por (des)razões ainda mais torpes, e que
não honram a toga que ostentam.
Infelizmente,
hoje, o critério que norteia a ascensão dos juízes aos Tribunais e Ministérios
é, predominantemente, político. E, para chegar lá, forma-se uma longa lista de
"débitos" que, mais dia menos dia, serão cobrados, quando não
imediatamente, porque em política nada se faz de graça. E um judiciário forte
somente se poderá erguer sobre a base sólida da isenção e da independência.
A
ilustre Corregedora que falou com coragem da existência de maus profissionais,
só pecou ao generalizar sua acusação.
Mas é preciso, com muita cautela, separar o joio do
trigo, para que profissionais corretos não levem a fama por aqueles que,
indevidamente, se utilizam do sacrossanto ofício da Magistratura para corromperem
ou serem corrompidos, ou que, esquecidos de sua sacrossanta missão, ou
acometidos da “doença” a que se denomina comumente “Juizite”, tratam a todos os demais como se fossem seres
superiores.
E que se punam, após exaustiva e correta
comprovação, mas sem prejulgamentos, todos os maus juízes que, comprovadamente,
tenham violado ou corrompido sua sacrossanta missão.
Só assim, se evitará que um vestígio opaco de
escuridão apague a luz de um dia que pode e deve continuar brilhando.
Linda Brandão Dias
20/09/2012
Amiga: bom dia! Acabo de ler mais um texto no qual você consegue, de forma belíssima, expor todo atual sistema jurídico que, lamentavelmente, vivenciamos. Mas, como disse entrelinhas, há muitas estrelas nesse céu.A luz há de vencer sempre. Com carinho e admiração sempre. Lucilla.
ResponderExcluirObrigada, Dra. Lucilla, por suas gentis palavras. Tudo o que esperamos, sempre, é que a Justiça prevaleça.
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