Da história para a vida
Circulou na internet a história que ficaria conhecida como “O Moleiro de
Sans-Souci”, que teria ocorrido no
século XVIII, e foi traduzida em versos pelo
escritor francês François Andriex (1759-1833)
.
Segundo o autor, Frederico II, (conhecido como “o Grande rei
da Prússia”, exímio estrategista militar e amante das artes), resolveu
construir um palácio de verão em Potsdam, próximo a Berlim, na encosta de uma colina,
onde havia um moinho de vento, chamado
de Moinho de Sans-Souci, nome que deu ao palácio.
Alguns anos depois da obra feita, resolveu o rei ampliar seu castelo. Incomodado
pelo moinho que impediria a ampliação de uma ala, tomou a decisão de comprá-lo.
Procurado pelo rei, o moleiro recusou sua proposta, dizendo-lhe que não
venderia sua casa em hipótese alguma, pois ali seu pai havia falecido e seus
filhos iriam nascer.
Diante da negativa o rei advertiu-o de que, se o quisesse, poderia
simplesmente lhe tomar a propriedade.
Dizem os
versos que o moleiro, diante daquela
velada ameaça, teria respondido
ao rei com a frase que se tornaria célebre:
“Como se não houvesse juízes em
Berlim!”
Surpreso com a ingênua ousadia da resposta do moleiro que indicava,
claramente, sua disposição de enfrentar um litígio com o rei na justiça,
Frederico II desistiu da aquisição, deixando o moleiro e seu moinho em paz.
Diz-se que o autor concluiu seu conto deixando transparecer uma certa
melancolia, ao mencionar que o respeito do rei acabou por prejudicar a própria
província, como que a lamentar a atitude real diante de um simples moleiro.
Mesmo assim a história acabou imortalizada como um símbolo da
independência da Justiça, fincada na crença do moleiro de que, apesar da
diferença social entre ele e o rei, mesmo numa monarquia, a Justiça seria
feita.
O moinho resistiu ao tempo e ainda existe hoje, como um símbolo físico
daquela história transformada em versos. E sempre que um Juiz se posiciona com
independência e justiça, ouve-se a expressão: “ainda há juízes em Berlim”
Esta é, certamente, uma ilustração do que, na essência, deve ser a
JUSTIÇA, mas também um sinalizador de que, na prática, não é sempre assim que
acontece.
Fazer JUSTIÇA efetivamente não é
fácil!
Seu balizamento deve ser fincado
na isenção, na busca da verdade real, na aplicação da lei da forma mais justa
possível, ou seja, adequada à situação de fato, e na mais completa
desconsideração de quem sejam as partes, seu poder aquisitivo, sua
qualificação, sua ideologia ou sua posição social, e ainda, do que pense quem
quer que seja.
Mas esse é um exercício árduo, e
nem todos os julgadores conseguem atender a todos esses quesitos,
principalmente em tempos em que predomina a quantidade sobre a qualidade, e em
que, não raro, há muitos tentando influenciar
decisões, seja com promessas, seja com
ameaças.
Se a falta de ética e a
parcialidade contaminam o julgado, o desconhecimento dos desdobramentos legais
à luz do fato o ferem de morte, as influências oriundas de pressionamentos
nublam a visão e a pressa viola os mais ínfimos princípios do que seja a
Justiça.
Falta de condições materiais e
humanas nos Juízos, pressão oriunda dos órgãos superiores e pressões externas
são variáveis constantes nesse mister que deveria ser praticado num santuário
isento de tudo isso.
Mas, ainda que haja inúmeros
obstáculos, o papel do Juiz é o de julgar, contra tudo e contra todos, tendo
por meta, apenas, fazer emergir a verdade.
E isso é tarefa para poucos!
Penso que a carreira de
Magistrado deveria ser precedida, indispensavelmente, de teste vocacional, sem o quê nem se poderiam
submeter os candidatos às demais provas.
E é certo que muitos seriam
reprovados e nem chegariam a testar seus conhecimentos efetivos. E muitos dos Juízes atuais jamais poderiam
sê-lo.
A vocação é mais importante do
que os conhecimentos propriamente ditos, pois aquela não se adquire. Estes sim!
Um magistrado que não tenha todos
os conhecimentos que se espera para o cargo, uma vez na carreira, poderá
aplicar-se, com melhor condição financeira, para aprender mais e mais. Afinal,
na prática, os livros todos estão à sua disposição, sem falar na internet que,
hoje, é a grande ferramenta de trabalho.
Se o Juiz tiver que proferir uma
sentença sobre algo a que não conheça profundamente, poderá estudar o assunto à
exaustão, para fazê-lo com justeza.
O não vocacionado, ao contrário,
a cada dia vai piorar mais e mais, diante das pressões, do acúmulo de serviços,
e, sobretudo, por não amar o que faz, condição sine qua non para o exercício dessa linda e séria profissão.
E, sem vocação, sem amor pela
profissão, de nada adianta o conhecimento, pois ele não se aplica sozinho! E a Justiça acaba por se perder nos
labirintos da má-vontade, da omissão, da falta de vontade de ouvir testemunhas ou
de ler peças e documentos grandes, para a produção de prova consistente, e se
esfacela no lodaçal do comodismo, da indiferença e da omissão.
E mesmo aqueles que ingressam
pelo chamado “Quinto Constitucional”, ou seja, sem concurso, pela via da
política, não poderiam ser dispensados de uma prévia análise psicológica e
vocacional, que lhes apontasse a existência de dom e aptidão para o cargo. Essa
é a mínima garantia de excelência da Magistratura.
Afinal, o que mais se vê,
ultimamente, são Magistrados histéricos, mal educados ou acometidos de um grave
grau de “Juizite”, que os tornam
incapazes de olhar com isenção as situações que lhes são trazidas, até porque,
assim agindo, afastam os jurisdicionados, atemorizando-os e desestimulando-os a
buscarem seus direitos. E no céu da Justiça, onde deveria predominar um azul
cristalino, escuridões enevoadas desfilam seu negror, espalhando sombras.
Também há os Magistrados
sucumbidos pelo excesso de serviço e pelas infindáveis exigências dos Tribunais
Superiores, que têm as luzes da mente
ofuscadas pelo cansaço ou desestímulo, e que se desintegram nos cinzas
borrifados pelas nuvens do desânimo ou da silente conivência.
Outros tantos Juízes se deixam
levar por pressões externas de toda espécie,
proferindo sentenças que são impressas com os matizes da influência, e
que, mais cheirando a injustiça, se apresentam descascadas como tinta velha.
Talvez eu
devesse me desculpar com aqueles que se sintam ofendidos com o que aqui estejam
lendo, mas, pensando melhor, não!
Afinal, quem se sentir ofendido é porque vestiu a carapuça, ou se
encaixou no molde, de alguma forma, e deve, sim, rever sua carreira, suas
atitudes, seu comprometimento com a verdade, sua dedicação e zelo com a Justiça
que jurou praticar.
Mas, para nosso alívio, nem todos
são assim!
Sempre há uma luz no fim do
túnel, e, no fim das contas, ainda que em porcentagem infinitamente inferior ao
que desejamos, há Magistrados que, apesar de tudo, se lançam de corpo e alma à
sua sacrossanta missão, que acreditam no que fazem, que não se furtam de buscar
a verdade onde quer que ela esteja, que não aceitam provocações ou pressões de
qualquer ordem, que, mesmo exaustos não se esquivam das agruras e durezas de
seu mister e que, enveredando pela estrada da verdade que buscam incansavelmente,
pintam suas decisões com as tintas da verdadeira Justiça, não deixando estancar
o fluxo da verdade que apregoam.
Estes são os Magistrados-Verdade,
ou Magistrados-coragem, que são vocacionados, que amam o que fazem e que escrevem
suas sentenças num céu de transbordamento, azul e translúcido como o olhar que
lançam sobre o mundo e sobre as pessoas.
E finalmente podemos dizer que “ainda
há juízes em Berlim”.
E eu diria, no Brasil também!!!!
Linda
Brandão Dias
10/09/2012
Minha amiga: como fez bem para minha alma ler este texto lindamente escrito por você. Com meu carinho, bjs. Lucilla.
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