quinta-feira, 21 de março de 2013



JUSTIÇA – UMA REFLEXÃO PARA NOSSO TEMPO

            Nos tempos medievais, a morte era o destino inevitável para todos os que não se alinhavam com os dogmas impostos pela Igreja Católica.  Naquela época, o paradigma religioso que norteava toda a sociedade transformou a Europa num abismo trevoso que deixou um saldo absurdo de vítima de torturas e perseguições. E, o que é pior, essas torturas lotavam as praças de espectadores de todas as partes do reino que vibravam com aquele macabro espetáculo.

            Havia um terrorismo consciencial, um combate explícito a qualquer ideia inovadora que pudesse fomentar, de alguma forma, a dúvida religiosa, ou viesse a enfraquecer a autoridade papal. E quem ousasse violar a crença dominante era vigiado, perseguido e condenado por um Tribunal eclesiástico constituído para defender a fé católica.

            A partir dessa mentalidade, desencadeou-se uma forte vigilância não só sobre  o comportamento moral dos fiéis, mas também uma censura de toda a produção cultural e uma severa restrição a toda manifestação de pensamento crítico e qualquer inovação científica. E o preço pago por isso foi muito alto.

            Diante desse grotesco cenário, um grupo de pessoas conspirou em meados do século XVI por um novo paradigma. Os filósofos iluministas quiseram substituir a ideia de salvação pela felicidade na terra.  Assim, a providência divina foi substituída pela certeza científica e pela ideologia da prevalência do material.

            Transcendência, espiritualidade e religiosidade foram equivocadamente preteridas, em prol das ideias de progresso material e do conhecimento racional, que passaram a ser o centro das atenções da sociedade humana.

            Nessa senda, surgiram os filósofos conhecidos como Iluministas. Galileu, considerado o pai da física moderna, Francis Bacon, que argumentou que a ciência deve restabelecer o império do homem sobre as coisas, René Descartes, com seu “penso, logo existo” e sua sugestão de fusão da álgebra com a geometria que o tornaram figura-chave na revolução científica, e, dentre outros, Isaac Newton, que fez a síntese da matematização de Galileu, do empirismo de Bacon e do racionalismo de Descartes.

            Mas aquilo que era para ser um movimento renovador, histórico, dialético, abarcou de forma igualmente radical todos que se sentiam sufocados, e acabou por gerar  uma outra esclerose coletiva em sentido oposto: Toda a essência de transcendência, toda a dimensão essencial de onde jorram os princípios da ética  foi reprimida em nome da ciência e do mundo materialista.

            Nascia o apego cego ao progresso tecnocientífico, sem a contrapartida da transcendência, da espiritualidade, do divino. E um novo tipo de trevas se abateu sobre os tempos modernos. A preponderância da matéria sobre o espírito.  E, hoje, a alienação e a desumanização se alastram pelos diversos campos da sociedade, contaminando a tudo e a todos.  Vivemos tempos frios, comportamentos  desleais e de pura indiferença diante do essencial.

            Nesse cenário de busca desenfreada pelas aparências e de desrespeito ao outro, esse mesmo paradigma materialista e frio alastrou-se pelo mundo profissional, contaminando todas as carreiras que permeiam a sociedade, desembocando, inequivocamente, no Direito, que regula, de forma tácita ou expressa, desde os seus primórdios, toda a vida em sociedade, e que vive seus momentos de permanente instabilidade,  norteado, igualmente, por parâmetros sócio-histórico-culturais que refletem as tendências do mundo.

            A partir da supervalorização do que é material, do que é exterior, do que é aparente, os operadores do direito de todas as esferas e matizes, mais especificamente os membros do Ministério Público, os Juízes e os Desembargadores,  engalanaram-se com as capas da divindade, cobriram-se com os louros da ostentação e passaram a brandir o cetro da verdade, como se  de seu âmago brotasse, inquestionável, a palavra final.

            Julgando-se, a si mesmos, eternos detentores do privilégio cognitivo, passaram a exercer um poder discricionário judicial, um “decisionismo” ostensivo, que sufoca, inevitavelmente, muitas vezes, a democracia da soberania popular exercida pelas leis, que devem ser interpretadas sem contrariedade à ideologia legal.

            Podemos dizer que, hoje, a sociedade clama por membros do Ministério Público e  Magistrados que não detenham somente conhecimento teórico, ou técnico, mas que possuam, mais que isso, uma consciência social capaz de humanizar a justiça.

            A sociedade clama  por operadores do Direito que cedam espaço a uma Justiça concreta, verdadeira, efetivamente justa, mais próxima dos jurisdicionados, e não uma Justiça distante, midiática, acomodada em padrões repetidos de “verdades”  pessoais  inquestionáveis.

            É direito constitucional do cidadão, em nossa legislação pátria, o respeito integral aos direitos fundamentais da pessoa, e, dentre eles, o direito de acesso ao Judiciário, sendo totalmente inaceitáveis algumas práticas que vêm contrariando o Estado Democrático de Direito.

            O cidadão necessita acesso confiável ao Judiciário, e isso demanda um novo modelo de Juiz, mais preocupado com a realidade social e com a aplicação serena dos preceitos constitucionais. O cidadão precisa de membros do Ministério Público, Juízes e Desembargadores que não se comportem como se fossem semideuses, que não se suponham acima do bem e do mal, não se pensem invencíveis ou inquestionáveis, e que, sobretudo, possam olhar com isenção e sem os holofotes da mídia, a situação que lhes for posta à análise.

            A preparação dos membros do Ministério Público e dos Magistrados, hoje, deveria passar por séria avaliação psicológica, psicotécnica e vocacional, pois só exerce bem seu cargo quem tem amor por ele, quem tem equilíbrio emocional, quem tem, enfim, vocação para exercê-lo. Só quem ama o que faz, é capaz de cumprir com magnitude, verdade e  dedicação sua missão.

            Não bastam conhecimentos teóricos. O Juiz deve ter conhecimentos culturais, sociológicos, econômicos e políticos, para que suas decisões não se distanciem da realidade social.

            O que se vê, atualmente, são Membros do Ministério Público e Magistrados de todas as instâncias, com conhecimentos que os faz suporem-se quase divinos, mas completamente destituídos de serenidade, equilíbrio, humildade, e, acima de tudo, sem um real senso de responsabilidade com a verdadeira Justiça.

            Ser justo não significa aplicar a letra fria da lei, de maneira quase mecânica, sem adequá-la realmente ao contexto.  Porque está sempre rondando e à espreita o perigo do hábito. daqueles entendimentos coagulados pela pressa e pela preguiça de pensar. Porque há o perigo da indiferença marcante que se instala  na alma e no coração dos profissionais que exercem sua sublime missão descompromissados com o ser humano .

            Um processo é muito mais do que um monte de folhinhas brancas ou pardas , dentro de capinhas azuis, brancas, amarelas ou rosas.  Um processo são pessoas que estão sofrendo, buscando e, muitas vezes, ainda confiando nessa Justiça já tão desacreditada, tão desvirtuada pelas pressões políticas, da mídia, ou pelas demagogias baratas e aparatos que, em última instância, só têm a intenção de mostrar aparências. Aparência de legalidade. Aparência de rapidez. Aparência de eficácia. Aparência fundada em números que enganam.

            Afinal,  muitos cidadãos ainda buscam profissionais humanos e justos,  e não poderão viver como o filósofo Diógenes, que se tornou mendigo e durante os dias perambulava pelas ruas com uma lanterna acesa, procurando um homem que vivesse segundo a sua essência,  que vivesse sua vida superando as exterioridades exigidas pelas convenções sociais como comportamento, dinheiro, luxo ou conforto, e que tivesse, enfim,  encontrado a sua verdadeira natureza,  que vivesse de acordo com  ela e que fosse feliz.

            Mas é certo, também, que os paradigmas radicais do passado já não atendem aos graves desafios que encontramos pela frente, de forma que vivemos,  hoje, uma verdadeira crise de tempos confusos, caracterizada pelo desmoronar de velhos padrões e certezas, o que nos sinaliza para uma mudança que esperamos para melhor.

            Felizmente, porém,  embora como grãos de areia num deserto, podemos dizer que ainda se encontram Membros do Ministério Público e Magistrados com filosofia e valores norteados pela verdadeira vocação, e que desempenham sua missão com compromisso social, respeito ao próximo e com a necessária humildade que só possuem os que são grandes de espírito. Embora os tenhamos que buscar, muitas vezes, de lanternas acesas....

 

                                                                                   LINDA BRANDÃO DIAS

                                                                                               21/03/2013

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