quarta-feira, 12 de dezembro de 2012


TELETRABALHO
            Fugindo um pouco ao propósito deste blog, mas, ao mesmo tempo, atendendo a alguns pedidos, vou abordar um tema ainda inexplorado, a mero título de análise do tema e de como se comporta a legislação no Brasil, sem pretender dar uma aula sobre o assunto.
            Os prefixos mais frequentemente usados na nossa língua portuguesa têm origem no latim ou grego e muitos deles deram vitalidade a certas palavras.
            De origem grega, o prefixo “tele”, ou falso prefixo, conforme classificado por alguns,  significa distância, afastamento.  Uma idéia, como se pode apreender nas palavras televisão, telepatia, telégrafo, telefone. São centenas as palavras usadas em nosso idioma que contêm esse prefixo.
            Hoje, contudo, nos interessa uma em particular: o TELETRABALHO.
            Quase que auto-explicativo, o termo teletrabalho começa a ganhar destaque na legislação trabalhista, embora já de há muito tenha sido previsto.
            Como ocorre em todos os avanços científicos e tecnológicos, a ficção científica já de há muito se antecipou, prevendo o teletrabalho. Em seu livro “O Presidente Negro”, Monteiro Lobato já vislumbrava que o teletrabalho chegaria por volta do ano 2200. Na história, em conversa entre a personagem Miss Jane com Ayrton, registra-se:
            (...) O que se dará é o seguinte: o radiotransporte tornará inútil o corre-corre       atual.   Em vez de ir todos os dias o empregado para o escritório e voltar         pendurado num          bonde que desliza sobre barulhentas rodas de aço, fará    ele o seu serviço em casa e o radiará para o escritório, em suma: trabalhará à   distância....(....)
            Na verdade, como o direito está sempre correndo atrás da realidade, o rápido crescimento do teletrabalho no início do terceiro milênio impulsionou estudos e medidas que vêm se desenvolvendo, e é preciso que se entenda de que se trata exatamente, eis que sua conceituação não se resume a um trabalho à distância, como poderia parecer precipitadamente.
            O teletrabalho não se refere a uma função específica nem a uma atividade determinada, mas a um regime de desenvolvimento de qualquer profissão que seja exercida em local diferente da empresa, que pode ser a casa do trabalhador, um centro compartilhado ou mesmo em local ofertado pelo próprio cliente, para o qual sejam fornecidos meios tecnológicos.
            Em Portugal, o teletrabalho já conta com legislação específica e detalhada, e, segundo a mesma, considera-se teletrabalho “a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa do empregador, e através do uso de recurso de tecnologias de informação e de comunicação.”
            A legislação portuguesa, especifica, ainda, que um contrato de teletrabalho deve ter: a identificação dos contraentes, o cargo/função a ser desempenhado, a menção expressa do regime de teletrabalho, sua duração,  a atividade antes exercida pelo teletrabalhador, ou aquela que ele exercerá quando não estiver atuando sob aquele regime, se este for o caso,  instrumentos de trabalho a serem utilizados pelo trabalhador, responsabilidade pela instalação, manutenção, consumo e utilização de eventuais equipamentos, a identificação do estabelecimento ou departamento a que estará vinculado  o teletrabalhador, bem como a identificação de seu superior hierárquico, a quem se deverá reportar no âmbito de sua atuação.
            Como se vê, em Portugal, além da conceituação expressa, alguns critérios já bem definidos circunscrevem a modalidade de teletrabalho.
            No Brasil, contudo, até mesmo a definição de teletrabalho ainda comporta divergências. Há desencontros conceituais que ainda serão aparados, em especial no que diz respeito à utilização,  ou não, de tecnologias de informação e comunicação, para fixação do tipo legal.
              E essa definição é importante para dirimir a confusão que se faz entre teletrabalho e trabalho em domicílio, situações que não se confundem.
            Um vendedor externo, por exemplo, não é um teletrabalhador. Por outro lado, um representante comercial, por exemplo, não é nem uma coisa nem outra, posto que se exige a subordinação como elemento necessário à configuração do tipo.
            Somente uma análise das condições concretas do desenvolvimento do trabalho, à luz de uma legislação esclarecedora, é que configurará tal modalidade. E isso traz implicações jurídicas de natureza cível, trabalhista e/ou comercial, conforme a caracterização do trabalho.
            Mas é importante destacar que, diante dessa lacuna, temos como norte a definição utilizada pela O.I.T. - Organização Internacional do Trabalho, vazada nos seguintes termos: “A forma de trabalho efetuada em lugar distante do escritório central e/ou do centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnoclogia facilitadora da comunicação.”
            No Brasil, a atividade é representada pela SOBRATT – Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – que define o teletrabalho como aquele que é efetuado fora do local tradicionalo de uma empresa, utilizando tecnologia da informação e comunicação.
            No que diz respeito aos direitos decorrentes do teletrabalho, a Lei 12.551 de 2011, dando um pontapé inicial no tema, equipara o trabalho realizado no estabelecimento do empregador ao realizado à distância. Ou seja, os teletrabalhadores passaram a ter os mesmos direitos elencados na C.L.T. (Consolidação das Leis do Trabalho) que os trabalhadores presenciais.
            Em seu art. 6º aquela lei destaca: “Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado á distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
            Em seu parágrafo único, o artigo ainda destaca que “Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e direitos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.”
            Vê-se que a lei se preocupou em estender os direitos dos trabalhadores presenciais aos dos trabalhadores não presenciais, estabelecendo que, se presentes os pressupostos da relação de emprego, que, naturalmente, vêm destacados no art. 3º da C.L.T., não importa o local onde se desenvolva o trabalho.
            O conteúdo do parágrafo único, no entanto, é genérico e vem sendo alvo de divergências no que se refere  à equiparação dos meios utilizados para comando, controle e supervisão dos trabalhos aos meios telemáticos e informatizados de comando.
            E surgem questões vinculadas, por exemplo,  à forma de controle de horas extras,  uma vez que a flexibilidade de  horário parece ser uma das variáveis a ser considerada, e de como se teleadministra essa situação. A jornada suplementar, o trabalho no período intrajornada, as doenças profissionais, a inserção do trabalho do ambiente familiar, a possível existência de insalubridade, e até mesmo o controle do labor nos horários em que o teletrabalhador não está on line, são questões que, dentre inúmeras outras,  começam a ganhar relevo.
            Em que pese essa polêmica questão, em fevereiro de 2012 o T.S.T. – Tribunal Superior do Trabalho, através de resolução administrativa, regulamentou, sob a égide de seu art. 1º que: “As atividades dos Servidores do Tribunal Superior do Trabalho podem ser executados fora de suas dependências, sob a denominação de teletrabalho, observados os termos e condições deste Ato.”
            Nessa dicção simplória, o Teletrabalho, que, por sua própria natureza, comporta e absorve a noção de flexibilidade de espaço e tempo, parece vir ao encontro das novas exigências da globalização,  tendo por meio de controle e supervisão dos  trabalhos o uso de tecnologias de informação e comunicação.
            Nesses tempos em que a tecnologia de informação faz acontecer milhões de coisas em um átimo de tempo, o teletrabalho parece favorecer a qualidade de vida em família, a redução de despesas com transporte e alimentação, a redução do stress, a implementação de maior autonomia do teletrabalhador, a possibilidade de o mesmo administrar seu ritmo de trabalho inclusive com o aumento do tempo livre, enfim, fatores que parecem apontar para a configuração de vantagens extremamente interessantes para ambos os lados da relação laboral.
            Também merece destacar que o teletrabalho também se apresenta como um novo universo de oportunidades para os deficientes físicos que têm dificuldade de locomoção, mas que podem tranquilamente desenvolver seu trabalho, eis que, via de regra, os maiores obstáculos à sua inserção nos meios de produção, resumem-se na dificuldade de acesso a estabelecimentos públicos, quer pela insuficiência dos meios de transporte, quer pelas deficiências arquitetônicas a que se encontram jungidos.
            Nessa ordem, o ciberespaço surge como uma perspectiva inovadora e abrangente,  não limitada à mesma noção de tempo e espaço a que estivemos durante tantos anos vinculados.
            Sem dúvida alguma a virtualização dos trabalhos flexibiliza, alarga horizontes e globaliza o trabalho para abranger muito mais trabalhadores, inclusive aqueles que se encontravam limitados pelas questões relacionadas aos deslocamentos.  O telemarketing, o telesecretariado, o teledesenho,  a programação e análise de sistemas e outras tantas atividades apontam para o alargamento e  ilimitação de possibilidades profissionais.
            No campo das vantagens, o teletrabalho parece convergir, portanto,  para a  remoção de obstáculos espaciais e até mesmo das situações inesperadas em razão de força maior.
            Sabe-se que, depois do grande terremoto ocorrido na cidade de Los Angeles, em 1994,  muitas empresas da cidade começaram a oferecer telecomutação para seus empregados, fornecendo-lhes meios tecnológicos para que trabalhassem em suas casas.
            Mas essas novas formas de organização do trabalho impõem, por parte dos empregadores, a adoção de drásticas mudanças em seus sistemas e procedimentos, o que pode afetar, inclusive, o horário de funcionamento da empresa e o modo de administração.
            E novamente a flexibilização de organização, métodos, administração ou gerenciamento das empresas aparece como fator de destaque, à luz das transformações tecnológicas que hoje se inserem nos sistemas e locais de trabalho.
            É a extraterritorialidade de funcionamento do trabalho nascendo da desnecessidade da presença física, substituída pela utilização do cérebro, através dos novos sistemas de comunicação.
             A carência de suporte legal, entrementes, ainda é um dos principais obstáculos para a implementação do teletrabalho, ou mesmo para que as partes admitam que já está ocorrendo, sobretudo por receio das implicações legais.
            Não é incomum que trabalhadores aleguem na Justiça que ficam à disposição de seus empregadores 24 horas por dia, o que é um absurdo! E não estou me referindo a teletrabalhadores! Imaginem-se as polêmicas questões que terão origem nessa nova modalidade de labor!
            E é por conta de tais situações que o Deputado Federal Paulo Veloso Lucas, no Projeto de Lei número 4505/08, em seu artigo 6º, dispõe que “não se contempla o direito às horas extras ao teletrabalho em virtude da dificuldade de fiscalização”.
            Essa questão de horas extras, contudo, é merecedora de muito detalhamento e, por isso, não será tratada aqui, mas em futura postagem, até porque já se delineia a questão do teletrabalho escravo, ou seja, daquele que envolve labor com ipad, notebook, smartphone, sem falar nos simples celulares e bips, que, acessados continuamente, podem prolongar demasiadamente a jornada dos teletrabalhadores.
            E essa nova dimensão de trabalho ainda não “enxergada” convenientemente pelas empresas, profissionais e juristas, ainda será objeto de muitos estudos e leis, até que se adéqüe convenientemente às necessidades laborais.
            Também se evidencia que, como tudo na vida, o teletrabalho não somente traz benefícios. Ele  também circunscreve aspectos negativos que precisam ser analisados e elucidados como, além do teletrabalho escravo, as doenças profissionais, que ainda não estão sendo vistas como doenças do trabalho, até mesmo pela dificuldade de conceituação e de fixação do nexo de causalidade.
            Ante a falta de legislação adequada, entrementes, já vem surgindo nos Tribunais Regionais do Trabalho jurisprudência envolvendo o trabalho à distância, via internet.
            Mas nossas incipientes manifestações ainda estão bem longe dessa virtualidade universal...
            No Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, tendo em vista a necessidade de se equacionar o grande aumento dos serviços com a insuficiência de espaço físico para os funcionários, desde 1988 já vem se utilizando o teletrabalho, inicialmente balizado pela utilização de telefone e fax,  com a criação da figura do auditor externo, que, atualmente, utiliza a internet e duas vezes por mês comparece ao Tribunal para pegar mais processos.
            Pode-se entender, portanto, que o teletrabalho, embora seja uma forma de labor que se desenvolve fora dos domínios físicos da empresa, a esta extraterritorialidade não se resume. Para que assim se qualifique impõe-se a utilização de ferramentas antigas e novas, da comunicação e telecomunicação, inclusive e sobretudo a internet, que viabilizem e justifiquem a extraterritorialidade do trabalho.
            Mas, a despeito de todas as lacunas legislativas, o teletrabalho se dissemina a passos largos.  Segundo a SOBRATT, como resultado do cruzamento de dados de instituições e pesquisas ainda não diretas, já em 2008 estimou-se que o Brasil possuía cerca de 10.600.000 teletrabalhadores. Imagine-se hoje!
            Pior ainda. Por incrível que isso possa parecer, já existem pessoas sendo representadas, no universo laboral,  por seus respectivos avatares, formando-se uma verdadeira interação social entre estes, numa dialética que certamente gerará direitos e obrigações, que também provocarão a implementação de uma legislação específica, que desborda totalmente dos limites do teletrabalho.
            Apenas para que se conclua essa abordagem inicial, com nota para a velocidade com que se promove atualmente essa enorme revolução tecnológico-científica, faço questão de mencionar que já está sendo desenvolvido pela NASA um projeto denominado Interplanet, pelo qual em futuro muito próximo, nossa internet, extrapolando sua dimensão “terráquea”, passará a ser interplanetária. E isso quer dizer que, qualquer ser, esteja ele na terra ou numa nave espacial, na lua ou em outro planeta poderá estar conectado ao mundo, através de uma infinita rede de telecomunicação.
            E como para a genialidade do homem parece não haver limites, teremos que saber discernir todas essa situações. Mas precisaremos de leis que as definam, delimitem e que, se possível, não cheguem tão atrasadas. 
                                                   Linda Brandão Dias
                                                           07/12/2012
 
 
 

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