TELETRABALHO
Fugindo um pouco ao propósito deste blog,
mas, ao mesmo tempo, atendendo a alguns pedidos, vou abordar um tema ainda inexplorado,
a mero título de análise do tema e de como se comporta a legislação no Brasil, sem
pretender dar uma aula sobre o assunto.
Os prefixos mais frequentemente
usados na nossa língua portuguesa têm origem no latim ou grego e muitos deles
deram vitalidade a certas palavras.
De origem grega, o prefixo “tele”,
ou falso prefixo, conforme classificado por alguns, significa distância, afastamento. Uma idéia, como se pode apreender nas
palavras televisão, telepatia, telégrafo, telefone. São centenas as palavras
usadas em nosso idioma que contêm esse prefixo.
Hoje, contudo, nos interessa uma em
particular: o TELETRABALHO.
Quase que auto-explicativo, o termo
teletrabalho começa a ganhar destaque na legislação trabalhista, embora já de
há muito tenha sido previsto.
Como ocorre em todos os avanços
científicos e tecnológicos, a ficção científica já de há muito se antecipou,
prevendo o teletrabalho. Em seu livro “O Presidente Negro”, Monteiro Lobato já
vislumbrava que o teletrabalho chegaria por volta do ano 2200. Na história, em
conversa entre a personagem Miss Jane com Ayrton, registra-se:
(...) O que se dará é o seguinte: o radiotransporte tornará
inútil o corre-corre atual. Em vez de ir todos os dias o empregado para o
escritório e voltar pendurado num bonde que
desliza sobre barulhentas rodas de aço, fará ele
o seu serviço em casa e o radiará para o escritório, em suma: trabalhará à distância....(....)
Na verdade, como o direito está
sempre correndo atrás da realidade, o rápido crescimento do teletrabalho no
início do terceiro milênio impulsionou estudos e medidas que vêm se
desenvolvendo, e é preciso que se entenda de que se trata exatamente, eis que
sua conceituação não se resume a um trabalho à distância, como poderia parecer
precipitadamente.
O teletrabalho não se refere a uma
função específica nem a uma atividade determinada, mas a um regime de
desenvolvimento de qualquer profissão que seja exercida em local diferente da
empresa, que pode ser a casa do trabalhador, um centro compartilhado ou mesmo
em local ofertado pelo próprio cliente, para o qual sejam fornecidos meios
tecnológicos.
Em Portugal, o teletrabalho já conta
com legislação específica e detalhada, e, segundo a mesma, considera-se
teletrabalho “a prestação laboral realizada com subordinação jurídica,
habitualmente fora da empresa do empregador, e através do uso de recurso de
tecnologias de informação e de comunicação.”
A legislação portuguesa, especifica,
ainda, que um contrato de teletrabalho deve ter: a identificação dos
contraentes, o cargo/função a ser desempenhado, a menção expressa do regime de
teletrabalho, sua duração, a atividade
antes exercida pelo teletrabalhador, ou aquela que ele exercerá quando não
estiver atuando sob aquele regime, se este for o caso, instrumentos de trabalho a serem utilizados
pelo trabalhador, responsabilidade pela instalação, manutenção, consumo e
utilização de eventuais equipamentos, a identificação do estabelecimento ou
departamento a que estará vinculado o
teletrabalhador, bem como a identificação de seu superior hierárquico, a quem
se deverá reportar no âmbito de sua atuação.
Como
se vê, em Portugal, além da conceituação expressa, alguns critérios já bem
definidos circunscrevem a modalidade de teletrabalho.
No
Brasil, contudo, até mesmo a definição de teletrabalho ainda comporta
divergências. Há desencontros conceituais que ainda serão aparados, em especial
no que diz respeito à utilização, ou
não, de tecnologias de informação e comunicação, para fixação do tipo legal.
E essa
definição é importante para dirimir a confusão que se faz entre teletrabalho e
trabalho em domicílio, situações que não se confundem.
Um
vendedor externo, por exemplo, não é um teletrabalhador. Por outro lado, um
representante comercial, por exemplo, não é nem uma coisa nem outra, posto que
se exige a subordinação como elemento necessário à configuração do tipo.
Somente
uma análise das condições concretas do desenvolvimento do trabalho, à luz de
uma legislação esclarecedora, é que configurará tal modalidade. E isso traz
implicações jurídicas de natureza cível, trabalhista e/ou comercial, conforme a
caracterização do trabalho.
Mas
é importante destacar que, diante dessa lacuna, temos como norte a definição
utilizada pela O.I.T. - Organização Internacional do Trabalho, vazada nos
seguintes termos: “A forma de trabalho efetuada em lugar distante do escritório
central e/ou do centro de produção, que permita a separação física e que
implique o uso de uma nova tecnoclogia facilitadora da comunicação.”
No
Brasil, a atividade é representada pela SOBRATT – Sociedade Brasileira de
Teletrabalho e Teleatividades – que define o teletrabalho como aquele que é
efetuado fora do local tradicionalo de uma empresa, utilizando tecnologia da
informação e comunicação.
No
que diz respeito aos direitos decorrentes do teletrabalho, a Lei 12.551 de
2011, dando um pontapé inicial no tema, equipara o trabalho realizado no
estabelecimento do empregador ao realizado à distância. Ou seja, os
teletrabalhadores passaram a ter os mesmos direitos elencados na C.L.T.
(Consolidação das Leis do Trabalho) que os trabalhadores presenciais.
Em
seu art. 6º aquela lei destaca: “Não se distingue entre o trabalho realizado no
estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o
realizado á distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da
relação de emprego.
Em
seu parágrafo único, o artigo ainda destaca que “Os meios telemáticos e
informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de
subordinação jurídica, aos meios pessoais e direitos de comando, controle e
supervisão do trabalho alheio.”
Vê-se
que a lei se preocupou em estender os direitos dos trabalhadores presenciais
aos dos trabalhadores não presenciais, estabelecendo que, se presentes os
pressupostos da relação de emprego, que, naturalmente, vêm destacados no art.
3º da C.L.T., não importa o local onde se desenvolva o trabalho.
O
conteúdo do parágrafo único, no entanto, é genérico e vem sendo alvo de
divergências no que se refere à
equiparação dos meios utilizados para comando, controle e supervisão dos
trabalhos aos meios telemáticos e informatizados de comando.
E
surgem questões vinculadas, por exemplo, à forma de controle de horas extras, uma vez que a flexibilidade de horário parece ser uma das variáveis a ser
considerada, e de como se teleadministra essa situação. A jornada suplementar,
o trabalho no período intrajornada, as doenças profissionais, a inserção do
trabalho do ambiente familiar, a possível existência de insalubridade, e até
mesmo o controle do labor nos horários em que o teletrabalhador não está on
line, são questões que, dentre inúmeras outras,
começam a ganhar relevo.
Em
que pese essa polêmica questão, em fevereiro de 2012 o T.S.T. – Tribunal
Superior do Trabalho, através de resolução administrativa, regulamentou, sob a
égide de seu art. 1º que: “As atividades dos Servidores do Tribunal Superior do
Trabalho podem ser executados fora de suas dependências, sob a denominação de
teletrabalho, observados os termos e condições deste Ato.”
Nessa
dicção simplória, o Teletrabalho, que, por sua própria natureza, comporta e
absorve a noção de flexibilidade de espaço e tempo, parece vir ao encontro das
novas exigências da globalização, tendo
por meio de controle e supervisão dos
trabalhos o uso de tecnologias de informação e comunicação.
Nesses tempos em que a tecnologia de
informação faz acontecer milhões de coisas em um átimo de tempo, o teletrabalho
parece favorecer a qualidade de vida em família, a redução de despesas com
transporte e alimentação, a redução do stress, a implementação de maior
autonomia do teletrabalhador, a possibilidade de o mesmo administrar seu ritmo
de trabalho inclusive com o aumento do tempo livre, enfim, fatores que parecem
apontar para a configuração de vantagens extremamente interessantes para ambos
os lados da relação laboral.
Também merece destacar que o
teletrabalho também se apresenta como um novo universo de oportunidades para os
deficientes físicos que têm dificuldade de locomoção, mas que podem
tranquilamente desenvolver seu trabalho, eis que, via de regra, os maiores
obstáculos à sua inserção nos meios de produção, resumem-se na dificuldade de
acesso a estabelecimentos públicos, quer pela insuficiência dos meios de
transporte, quer pelas deficiências arquitetônicas a que se encontram jungidos.
Nessa ordem, o ciberespaço surge
como uma perspectiva inovadora e abrangente,
não limitada à mesma noção de tempo e espaço a que estivemos durante
tantos anos vinculados.
Sem dúvida alguma a virtualização
dos trabalhos flexibiliza, alarga horizontes e globaliza o trabalho para
abranger muito mais trabalhadores, inclusive aqueles que se encontravam
limitados pelas questões relacionadas aos deslocamentos. O telemarketing, o telesecretariado, o
teledesenho, a programação e análise de
sistemas e outras tantas atividades apontam para o alargamento e ilimitação de possibilidades profissionais.
No campo das vantagens, o
teletrabalho parece convergir, portanto, para a
remoção de obstáculos espaciais e até mesmo das situações inesperadas em
razão de força maior.
Sabe-se que, depois do grande
terremoto ocorrido na cidade de Los Angeles, em 1994, muitas empresas da cidade começaram a
oferecer telecomutação para seus empregados, fornecendo-lhes meios tecnológicos
para que trabalhassem em suas casas.
Mas
essas novas formas de organização do trabalho impõem, por parte dos
empregadores, a adoção de drásticas mudanças em seus sistemas e procedimentos,
o que pode afetar, inclusive, o horário de funcionamento da empresa e o modo de
administração.
E novamente a flexibilização de
organização, métodos, administração ou gerenciamento das empresas aparece como
fator de destaque, à luz das transformações tecnológicas que hoje se inserem
nos sistemas e locais de trabalho.
É a extraterritorialidade de
funcionamento do trabalho nascendo da desnecessidade da presença física,
substituída pela utilização do cérebro, através dos novos sistemas de
comunicação.
A carência de suporte legal, entrementes,
ainda é um dos principais obstáculos para a implementação do teletrabalho, ou
mesmo para que as partes admitam que já está ocorrendo, sobretudo por receio
das implicações legais.
Não é incomum que trabalhadores aleguem
na Justiça que ficam à disposição de seus empregadores 24 horas por dia, o que
é um absurdo! E não estou me referindo a teletrabalhadores! Imaginem-se as
polêmicas questões que terão origem nessa nova modalidade de labor!
E é por conta de tais situações que
o Deputado Federal Paulo Veloso Lucas, no Projeto de Lei número 4505/08, em seu
artigo 6º, dispõe que “não se contempla o direito às horas extras ao
teletrabalho em virtude da dificuldade de fiscalização”.
Essa questão de horas extras,
contudo, é merecedora de muito detalhamento e, por isso, não será tratada aqui,
mas em futura postagem, até porque já se delineia a questão do teletrabalho
escravo, ou seja, daquele que envolve labor com ipad, notebook, smartphone, sem
falar nos simples celulares e bips, que, acessados continuamente, podem
prolongar demasiadamente a jornada dos teletrabalhadores.
E essa nova dimensão de trabalho
ainda não “enxergada” convenientemente pelas empresas, profissionais e
juristas, ainda será objeto de muitos estudos e leis, até que se adéqüe
convenientemente às necessidades laborais.
Também se evidencia que, como tudo
na vida, o teletrabalho não somente traz benefícios. Ele também circunscreve aspectos negativos que
precisam ser analisados e elucidados como, além do teletrabalho escravo, as
doenças profissionais, que ainda não estão sendo vistas como doenças do
trabalho, até mesmo pela dificuldade de conceituação e de fixação do nexo de
causalidade.
Ante a falta de legislação adequada,
entrementes, já vem surgindo nos Tribunais Regionais do Trabalho jurisprudência
envolvendo o trabalho à distância, via internet.
Mas nossas incipientes manifestações
ainda estão bem longe dessa virtualidade universal...
No Tribunal de Contas do Rio Grande
do Sul, tendo em vista a necessidade de se equacionar o grande aumento dos
serviços com a insuficiência de espaço físico para os funcionários, desde 1988
já vem se utilizando o teletrabalho, inicialmente balizado pela utilização de
telefone e fax, com a criação da figura
do auditor externo, que, atualmente, utiliza a internet e duas vezes por mês
comparece ao Tribunal para pegar mais processos.
Pode-se entender, portanto, que o
teletrabalho, embora seja uma forma de labor que se desenvolve fora dos
domínios físicos da empresa, a esta extraterritorialidade não se resume. Para
que assim se qualifique impõe-se a utilização de ferramentas antigas e novas,
da comunicação e telecomunicação, inclusive e sobretudo a internet, que
viabilizem e justifiquem a extraterritorialidade do trabalho.
Mas, a despeito de todas as lacunas
legislativas, o teletrabalho se dissemina a passos largos. Segundo a SOBRATT, como resultado do
cruzamento de dados de instituições e pesquisas ainda não diretas, já em 2008
estimou-se que o Brasil possuía cerca de 10.600.000 teletrabalhadores.
Imagine-se hoje!
Pior ainda. Por incrível que isso
possa parecer, já existem pessoas sendo representadas, no universo laboral, por seus respectivos avatares, formando-se uma
verdadeira interação social entre estes, numa dialética que certamente gerará
direitos e obrigações, que também provocarão a implementação de uma legislação
específica, que desborda totalmente dos limites do teletrabalho.
Apenas para que se conclua essa
abordagem inicial, com nota para a velocidade com que se promove atualmente
essa enorme revolução tecnológico-científica, faço questão de mencionar que já
está sendo desenvolvido pela NASA um projeto denominado Interplanet, pelo qual
em futuro muito próximo, nossa internet, extrapolando sua dimensão “terráquea”,
passará a ser interplanetária. E isso quer dizer que, qualquer ser, esteja ele
na terra ou numa nave espacial, na lua ou em outro planeta poderá estar
conectado ao mundo, através de uma infinita rede de telecomunicação.
E
como para a genialidade do homem parece não haver limites, teremos que saber
discernir todas essa situações. Mas precisaremos de leis que as definam, delimitem
e que, se possível, não cheguem tão atrasadas.
Linda Brandão Dias
07/12/2012
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