Situação de Celso de Mello parece com tragédia grega
Em Antígone, de Sófocles, podemos encontrar o rei de Tebas,
Creonte, vivendo um dos dilemas mais famosos da literatura clássica: manter ou
não a proibição do sepultamento dos restos mortais de Polinice, traidor da
pátria, bem como o encarceramento subterrâneo da bela Antígone, que ousou
desobedecê-lo; condenações essas que seriam castigadas pelos deuses com a morte
do seu único herdeiro vivo, o jovem Hémon.
Naquela obra imortal, depois de alertado pelo velho Tirésias, em famoso
trecho que sempre deveria ser citado com destaque em ações rescisórias[1], o rei Creonte vive momentos de
indecisão até que resolve por fim ao seu dilema, determinando a libertação de
Antígone - noiva do seu filho Hémon – e que fosse erigido um túmulo para honrar
os restos mortais de Polinice.
As fúrias, deusas vingadoras, e os próprios deuses, porém, não aceitaram
as titubeações de Creonte, e por conta da profanação do cadáver de Polinice e
do encarceramento em túmulo da bela Antígone, que se enforcou na sua prisão
subterrânea, nada fizeram para impedir que Hémon tirasse a sua vida, sob o
olhar aflito de Creonte, com a própria espada paterna. E mais: a esposa do já
desgraçado Creonte, ao saber da morte do filho, também se suicida.
Esse intróito é necessário para colocarmos, num ensaio comparatista, os
contemporâneos personagens no palco atual: o ministro Celso de Mello,
respeitadíssimo – assim como Creonte - decano do Supremo Tribunal
Federal, vivencia, como o rei de Tebas, o dilema jurídico mais palpitante dos
últimos tempos. Em suas mãos, em seu decidir, paira o destino de pessoas,
sombras dos homens que foram um dia, que como Polinice, traíram sua pátria.
Se decidir sobre o cabimento de embargos infringentes no bojo da Ação
Penal nº 470, o ministro Celso de Mello estará honrando a Constituição Federal,
preservando seu rebento exarado publicamente em agosto de 2012? Ou estará dando
à Carta Magna o mesmo destino da bela Antígone, encarcerando-a viva nos
subterrâneos das inúmeras possibilidades recursais, ao mesmo tempo em que deixa
insepultos os restos mortais dos homens de outrora?
Os embargos infringentes garantem aos réus um desfecho mais digno aos
seus despojos mortais ou prolongarão ainda mais a exposição em praça pública
dos cadáveres viventes, sujeitos às aves e cães, que a toda hora arrancam sem
misericórdia e abocanham famintos mais um pedaço das carnes já sem vida dos
acusados?
Ao que tudo indica e assim antevejo, o ministro Celso de Mello decidirá
seu dilema contemporâneo pensando salvar seu querido Hémon, consentindo no
cabimento dos embargos infringentes, mas não pestanejará em acatar – também – o
encarceramento imediato dos condenados, como pedirá a Procuradoria Geral da
República em ato contínuo ao desdobramento da próxima semana.
O dilema de Creonte, vivido pelo ministro Celso de Mello, em verdade não
tem solução simples, que reste impune. Qualquer que seja sua decisão, haverá
conseqüências graves e inflexivelmente trágicas, pois “não é lícito aos mortais
evitar as desgraças que o destino lhes reserva!”.
Penso que mesmo que dê com uma mão (a esperança) e tire com a outra (a
liberdade), numa inglória tentativa de agradar tanto aos gregos como aos
troianos, o ministro Celso de Mello sofrerá as angústias e o isolamento
inerente aqueles que detêm o poder de decidir destinos, vidas.
Como Tirésias, presto atenção nos presságios e busco em oráculos os
signos que se anunciam para o futuro: “Mais algum tempo, e angustiosos lamentos
de homens e mulheres se ouvirão neste palácio! Contra ti já se erguem as
cidades irritadas, cujos altares estão poluídos pelas exalações dos cadáveres
que não receberam sepultura...”.
[1] “O erro é comum entre os homens:
mas quando aquele que é sensato comete uma falta, é feliz quando pode reparar o
mal que praticou, e não permanece renitente.”
Texto de autoria de Adriano José Borges Silva, extraído do
Consultor Jurídico de 17/09/2013
Texto fantástico! Leitura agradável e atualíssima. Parabéns!
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