quarta-feira, 14 de maio de 2014


 
OS ENSINAMENTOS DA ÁGUIA

            A vida é uma sucessão de aprendizados. E, como diz o pensador, uma mente que se abre para uma nova ideia, jamais voltará ao seu tamanho original.

            Mas, para nos abrirmos para as novas ideias, é preciso, muitas vezes, quebrar paradigmas, coisa não muito fácil para muitos. Porque  é sempre muito mais fácil seguir sem questionar, firmando convicções baseadas, simplesmente, na tendência apática de se adotarem ideias socialmente consagradas.

            Questionar convicções, sobretudo se populares, que já surgem embaladas em critérios “éticos” descritos como senso comum, pode parecer, à maioria, uma medida impopular, antipática até.

            Questionar o status quo e levantar dúvidas são posturas típicas dos poucos que têm coragem e querem, realmente, buscar a verdade real.

            Mas nossos vacilantes desejos de fazê-lo nascem já contaminados pela frágil convicção de que as convenções adotadas pela maioria devem ter bases sólidas, e, assim, sufocamos nossas dúvidas e nos incorporamos à manada, supondo, equivocadamente,que não poderíamos ser os pioneiros nessa tarefa de desfazer “verdades”.

            E foi por questionar o senso comum da época, que Sócrates, o filósofo descalço, foi condenado à morte. Ele foi justamente acusado de levantar suspeitas ditas paranoicas sobre a veracidade das crenças e posições éticas do que era popular e tido como verdadeiro à época.

            Advogar por crenças adquiridas por uma grande maioria decorre, invariavelmente, do fato de não se submeterem essas crenças ao crivo da lógica, até porque as coisas que são rotulados de “óbvias”  muitas vezes não o são.

            Essa postura de mesmice, de seguir o óbvio, de acompanhar a maioria, que se vê no cidadão comum, vem sendo reiterada, infelizmente, em todos os pretórios, por todos aqueles que, diferentemente da multidão, deveriam buscar a verdade real para efetivamente fazerem justiça, mas não o fazem.

            Uma verdade real é aquela que não enseja meios de ser racionalmente contestada. Se, ao contrário, pode ser invalidada por qualquer argumento, ela é falsa, não importando o número de adeptos ou a posição sócio/jurídica ou hierárquica dos que a defendem.

            Vale aqui lembrar a já conhecida mas muito significativa lição da águia.

            A águia é sinônimo de inteligência, visão aguçada e perspicácia.  E isso não se dá somente pela sua beleza, ou pela sua velocidade.

            O mais importante da águia é sua capacidade inata de se autoavaliar e de se reciclar constantemente para renovar-se.

            Em sua vida, chega um tempo em que as penas da águia envelhecem e ela já não voa tão bem, nem é mais tão bonita.

            Percebendo sua decadência, ela voa até um alto monte e, uma a uma, arranca as penas velhas, mesmo que dolorosamente, para que novas penas possam nascer e ela volte a voar bem e ficar mais bonita.

            Mas não é só. Há um momento em que o cortante bico da águia envelhece, enfraquece e ela já não consegue mais pescar com a mesma competência, nem emitir os mesmos sons.

            Dotada de uma sabedoria intuitiva e inata, ela procura uma grande pedra e nela bate com seu velho bico até que ele se quebre e caia, para dar lugar a um novo bico.

            Mas nós, humanos, não seguimos esse paradigma. Quantas vezes mantemos nossas velhas penas, que já não nos permitirem mais voar, seja por medo, comodismo ou desatenção, e não damos espaço para as novas, de melhor performance?

            Nossa índole é também de mantermos o nosso bico velho. O mesmo  discurso, as mesmas razões, os mesmos argumentos,  agasalhados em nossa cômoda zona de conforto. Mudar pensamentos, evoluir ideias, fazer autoavaliações parecem algo trabalhoso demais.         

            Mas é só mudando a nós mesmos que conseguiremos mudar o mundo para melhor.  E a águia nos dá um belo exemplo de mudança e renovação.

            E não é só. A águia é uma das pouquíssimas aves que voa solitária. Ela não faz seu voo em bandos e, talvez por isso, ganha as alturas rapidamente

            O homem é um ser gregário, é certo, e não pode viver ilhado ou alienado do mundo e das pessoas.

            Mas isso não significa que não deva ter ideias próprias. Seguir a multidão, seguir a manada só o leva até onde a manada já chegou.

            Como diz o pensador,  seguir a mesma trilha já percorrida por outros, somente vai levá-lo até onde os outros chegaram.

            É preciso desbravar ideias, raspar o bico na pedra até cair e nascer outro, novinho, inaugurando uma identidade própria. Ideias originais são sempre bem vindas. E nesse voo precisamos estar sós.

            Outra lição da águia é a de humildade. Quando ela sente que o vento está muito forte, a ele não se opõe. Ela dobra os joelhos e, humildemente, deixa que ele a conduza, de forma que seu voo fique mais leve. Assim, tal como as plantas miúdas que se dobram durante a tempestade, a águia vence a tormenta e, passada a mesma, volta a voar alto na direção que deseja, comprovando que nem sempre a truculência, o enfrentamento, o embate nos conduzem a bom resultado. Muitas vezes é preciso ceder, baixar a cabeça, ajoelhar-se diante do vendaval....

            E ser humilde não é ser subserviente. Não é ser submisso. Não é também ser passivo. Ser humilde é ter sabedoria para reconhecer que, muitas vezes, é preferível nadas a favor da correnteza, ou voar a favor do vento para, com paciência, alcançarmos nosso objetivo.

            No mundo jurídico, infelizmente, ainda há muitos que se julgam “águias” mas que deixam seu bico envelhecer, suas penas desbotarem e perderem a força do voo, e seguem em bandos cegos, sem coragem para gastar o bico na pedra, para ver nascer um novo, e com preguiça de arrancar as velhas penas para dar origem às novas.

            São esses os mesmos que firmam suas “convicções” no apático comodismo de seguir a maioria, sem questionar onde realmente mora a verdade. Esses que emolduram a ideia adotada e a penduram nas paredes do sempre, sem qualquer preocupação com a realidade. Porque questionar o status quo é postura trabalhosa. E  quebrar paradigmas é tarefa para os corajosos.

            E é por isso que sigo comungando da máxima do velho Raul: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante!.....”

                                                                                  Linda Brandão Dias

3 comentários:

  1. Linda, me parece que essa sua crônica foi escrita na medida para mim. Questionar conceitos firmados e aceitos pela maioria é algo que tenho procurado fazer nos últimos anos, realizando a difícil tarefa de ir contra as minhas próprias crenças pessoais que fui adquirindo através dos anos seja por meio da educação familiar que recebi ou que me forma impostas pela própria sociedade em que vivo.
    Principalmente crenças religiosas, onde pude perceber que “verdades absolutas” devem ser aceitas e abraçadas sem nenhum tipo de questionamento, se é dogma de fé, pronto, você tem que dizer amém a ele lhe sendo proibido pelos seus lideres religiosos em usar o raciocínio lógico para tentar descobrir se há algum fundamento coerente no que é ensinado através da verdade deste mesmo dogma de fé. E se você ousar questionar, os juízes da nova inquisição que sãos esses mesmos líderes religiosos lhe ameaçam com a fogueira da excomunhão. Isto é, você é cortado do seio da comunidade religiosa em que faz parte com o intuito de se sentir sozinho, desamparado, e uma vez sentindo-se assim quem sabe com o tempo se arrependa do que fez e volte atrás em suas novas convicções e deixe de lado o ato de questionar aquelas verdades absolutas que lhe são impostas e empurradas goela abaixo.
    E assim é na política e em todos os segmentos da sociedade, vá contra o que a manada acredita e você será excluído do seio desta mesma sociedade manipulável pelas mãos e mente de um pequeno grupo hierárquico.
    Então se a maioria acredita que a terra é plana, ai de você se questionando tal verdade ousar dizer que ela na verdade pode ser “redonda”. É fogueira de exclusão do meio em que vive na certa.
    Quebrar o bico e trocar as penas é um processo doloroso para quem deseja ser uma nova águia, mas necessário para inaugurar uma nova mentalidade para aquele que deseja alçar voos mais ousados no céu do pensamento livre e lógico.
    Parabéns querida, conhecer uma mulher inteligente como você sempre me dá um enorme e renovado prazer em meu coração e alma.
    Beijos poéticos em ti e que a Deusa antiga esteja sempre contigo.

    http://novoeltondasneves.blogspot.com

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  2. Elton
    Gostei do seu comentário. É exatamente assim. Vivemos, desde tempos imemoriais, entre os lobos, pois o os homens são os lobos dos homens. Quero dizer que, seja através da política ou da religião, ou do quer que seja, querem sempre nos meter goela abaixo dogmas, crenças e verdades “absolutas”, que tentam impor sem direito a questionamento. Por isso o processo de ser águia é tão doloroso. Aliás, Galileu Galilei sofreu na pele o peso da perseguição por revelar que a terra não era o centro do universo, mas que era ela – a terra – que girava em torno do sol. E ele estava certo. Muitos outros passaram pelo mesmo tortuoso caminho.
    E são essas águias que, através dos tempos e da história vêm conseguindo mudar o mundo, contra tudo e contra todos, porque, com seus questionamentos, quebram paradigmas e lançam novas luzes sobre aquela “velha opinião formada sobre tudo”
    Por isso eu quero sempre ser uma “metamorfose ambulante”, como disse o ppoeta Raul Seixas.
    Obrigada pela sua participação em meu blog. Aliás, gostei muito do seu blog. Você escreve muito bem. E já sou mais um “anjo” seguindo o seu blog, com o meu blog de poesias.
    Abraços.

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  3. Obrigada pelas lindas palavras. Já acessei o novo blog e adorei o "Vertigo". Deixei um comentário e já coloquei o seu novo blog nos meus favoritos. Abraços.

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