JUÍZES E JUÍZES
Vivemos, hoje, um tempo de muitas palavras.
Mídias e redes sociais, notícias em
tempo real, comunicação imediata, tudo isso mudou a face do universo.
Neste mundo globalizado onde um
espirro no Japão pode provocar pneumonia no Brasil, cada vez mais vem sendo erguida
e divulgada a bandeira do acesso à justiça como aspecto da participação popular
no Estado.
Vivemos, afinal, num regime
democrático em quê, ao menos em tese, predomina a soberania popular.
Nesse contexto é que, fazendo um
retrospecto de minha carreira, vejo cada vez mais acentuar-se a necessidade de
o povo tomar ciência de seus direitos e de melhor lutar por eles. E o faço
focando, em especial, o Judiciário e a Justiça.
Por milênios, os sistemas que se
sucederam no tempo fomentaram a formação e manutenção de magistrados distantes,
endeusados, fossem eles aquelas figuras escuras e soturnas com suas ridículas cabeleiras
louras, fossem eles, hodiernamente, homens empertigados em ternos escuros ou
mulheres sisudas, vestidas em seus terninhos de cor sóbria (uniforme de Juíza),
mas, sempre, aquelas figuras de um juiz distante,
poderoso, ameaçador.
Uma imagem que, certamente, sempre
caminhou na contramão de tudo o que se aproxima de uma verdadeira Justiça. Infelizmente,
não só algumas práticas adotadas pelo judiciário, mas, sobretudo, a postura
adotada pela maioria dos magistrados é que alargaram cada vez mais a distância
entre o juiz e os jurisdicionados.
Cabe relatar um fato que se passou
comigo há alguns anos. Lembro-me que, ao fazer convites para uma noite de
autógrafos em que lançaria um livro, os advogados e as pessoas em geral ficavam
enormemente surpresas quando sabiam que não se tratava de um livro técnico, mas
de um livro de poesias. Como se fosse um absurdo, ou, no mínimo, um contrassenso,
um juiz falar em poesia.
A surpresa que se lançava de seus
olhos e escorria pelo rosto, caía sobre seus ombros como um fardo. Mesmo
disfarçando, eu podia perceber, claramente,
em cada uma, como é que as pessoas viam um juiz: uma pessoa diferente,
impessoal, inumana, insensível. Uma imagem sem rosto.
E, com pesar, também vi que outros
colegas de profissão agiam exatamente dessa forma, como se fosse uma
transgressão ser humano, sentir, ser apenas uma pessoa.
E eu pensava: Não é preciso ser
distante. Só a proximidade imparcial nos permite ver com mais clareza as luzes
da verdade.
Não é preciso ser frio. A própria
sentença, que tem origem latina no verbo sentire, tem o significado de “sentir”.
E como sentenciar sem “sentir” na alma o toque da verdade?
Não é necessário ser mal educado ou
ríspido. Nem tratar a todos como se fossem inferiores. O temor se impõe, mas o
respeito se conquista.
E eu, que nasci e busquei com muita
luta alcançar meu sonho, jamais encarnei aquela figura medonha,
assustadora, soberana, capaz de provocar
suores e temores.
Ao contrário, sempre me dirigi a todos
com atenção e respeito, sem jamais ter perdido a mansidão natural de quem
sempre soube que na vida estamos todos de passagem, que cargos são transitório
e que assumi-los não transforma nenhum ser humano em um ser superior aos
demais.
Jamais precisei alterar minha voz para
manter o controle da ordem nas audiências. E foi com fala mansa e urbanidade
que conquistei o respeito de todos.
Em minha incansável busca pela
justiça, sempre recebi e ouvi partes e advogados, suas testemunhas, e, sempre
que necessário, ultrapassei os limites do gabinete para buscar a verdade que se
encontrava extramuros. E me surpreendia sempre que alguém vinha chorar as
magoas anunciando que não tinha sequer sido recebido por algum Juiz.
Infelizmente, nos 19 anos de minha
trajetória, pude perceber muitos Juízes que passavam arrastando sua toga como
se a vestissem 24 horas por dia. E quando deles me aproximava, podia, muitas
vezes, sentir no ar o cheiro da divindade que exalavam.
Assisti muitas pessoas, partes e
advogados, saírem sangrando as humilhações a que tinham sido submetidas por
juízes despreparados e covardes.
Vi a raiva, o ódio ou o desespero pairando
sobre a cabeça de outros que tiveram que engolir o silêncio canhestro de
palavras ásperas e rudes, a que não puderam responder à altura, fosse pelo
temor reverencial, fosse pelo medo silencioso de sofrerem represálias.
E meu desconforto trasbordava pelas
bordas da solidariedade que não podia esconder.
Realmente, os direitos do cidadão, tão
apregoados, foram fortemente abraçados pela nossa Constituição Cidadã, que foi
promulgada em 1988. Ali se encontram inscritos os direitos fundamentais da
pessoa e os meios assecuratórios de sua aplicação, inclusive, e sobretudo, o
direito de acesso ao Judiciário.
Natural, portanto, que se deseje uma
figura de Juiz acessível aos jurisdicionados.
Clama-se por uma justiça mais social e
por magistrados que não só tenham conhecimento técnico profundo, mas que,
sobretudo, sejam humanos, possam nutrir
um sentir social e estejam mais próximos daqueles que clamam por Justiça.
E, afinal, um Juiz que sente, que
trata com educação, que fala manso, que dá atenção, não se torna menos Juiz por
isso. Nem vai ser desrespeitado. Muito pelo contrário.
Concluo, portanto, que os dias de hoje
desafiam uma mudança de postura, juízes
melhores, mais sensíveis e humanos, mais cônsones com uma justiça cidadã.
Não aquele juiz apático, frio e
distante que encarnava a figura de um ser poderoso e supra-humano.
E, mesmo que não se tenha uma
sabedoria salomônica, somente com uma técnica temperada por uma visão
profundamente humana, somente com uma busca incansável pela verdade e com um
olhar mais alargado da dimensão social das decisões a serem proferidas, somente
com um comprometimento efetivo com a concretude da verdade é que poderemos
construir um Judiciário mais Justo, o que é, afinal, o seu único e fundamental papel.
O Magistrado tem o poder de mando e de
decisão, é certo.
Mas não pode ser um mero aplicador de
leis, sem questionar a justiça delas, sem se preocupar com sua mais profunda
adequação ao fato concreto. Se não o faz, transforma-se num hospedeiro habitual
do comodismo e da involução preconizada por uma silente e covarde conivência
com um tecnicismo gélido. É que venezianas fechadas impedem a passagem da luz.
Um Juiz não pode, de forma fria e
insensível, manter-se distante das
partes, descompromissado com a verdade que, muitas vezes, se esconde nas dobras
do medo, da submissão ou da hipossuficiência.
Há Juízes e Juízes.
Que prevaleçam, portanto, aqueles que
têm jus ao sacrossanto poder-dever de professar uma judicatura equilibrada e
democrática, comprometida com uma visão social capaz de vencer a aspereza da
indiferença técnica e a quietude perversa do comodismo.
Que venham Juízes com alma e
sentimento, com devoção e amor por sua missão, com a serenidade dos que
acreditam no que fazem, e que, acima de tudo, se comprometam com a sagrada
missão de fazer Justiça!
Só assim cessará a asfixia das
injustiças que vêm sendo reiteradamente cometidas. E uma nesga de sol começará
a romper as nuvens claudicantes que toldam esse céu que deveria ser sempre
azul!
Linda
Brandão Dias
29/09/2012
Eu sempre tive a certeza do quanto foi humana e sensivel a Juiza LINDA BRANDÃO, porque nestes vinte e tres anos de advocacia, conheci Juizes e Juizes, mas Juizes que seja acima de tudo humano e que visa realmente a situação humana de cada um ao ser julgado são poucos. E hoje publicamente posso parabenizar a JUIZA DRª LINDA BRANDÃO, por todos os anos dedicados ao mister, porque foram anos de crescimento e aprendizagem para muitos que também conhecem o ser humano.
ResponderExcluirOBRIGADA DRª LINDA BRANDÃO.
Muito obrigada, Dra. Lucia, por seu generoso comentário. Fico feliz de saber que pude contribuir para a verdadeira Justiça.
ResponderExcluirA lisura com que sempre se comportou a Juíza Dra. Linda Brandão deveria ser o natural de todos os nossos Magistrados, mas infelizmente é um dos pontos de sua atuação profissional que deve ser ressaltado, nesses tempos em que a mídia anuncia dia-a-dia comportamentos antiéticos e criminosos daqueles que deveriam ser exemplo de honra, caráter e dignidade.
ResponderExcluirMas o que me cativou para sempre foi sua sensibilidade no trato junto a nós, profissionais da advocacia, as partes e testemunhas. A Magistrada Dra. Linda sempre foi capaz de "enxergar nas entrelinhas" das petições e recursos, sempre pautou suas audiências na busca pela verdade, sem nunca desprezar ou ferir a dignidade de quem quer que fosse. Sempre soube ser humana e enxergar a humanidade em cada um que se sentou à mesa das audiências por ela presididas.
Não só no ambiente judiciário agia com caráter e dignidade, mas sempre, em qualquer lugar onde estivesse, jamais presenciei um gesto de arrogância, improbidade ou desamor para com as pessoas. Ao contrário, sempre foi atenciosa, digna, carinhosa e busca encontrar em cada ser humano que tem o privilégio de conviver com ela seu melhor lado.
É de Juízes como a Dra. Linda Brandão que necessitamos urgentemente. Eu, com muito orgulho, faço parte daqueles que puderam "beber" de seu alto conhecimento técnico, mas especialmente de sua sabedoria ao conduzir cada processo. Ela é, para mim e para muitos de meus colegas, fonte de inspiração, alegria e orgulho de fazer parte do mundo jurídico. Mais uma vez obrigada, Dra. Linda, por estar sendo você mesma, corajosa e digna ao trazer a público suas opiniões e apontando fatos que tanto atrapalham a aplicação da Justiça!
Obrigada, Dra. Laura. Espero ter contribuído sempre para uma Justiça eficaz e para um mundo melhor. Agora, com meu blog, espero continuar contribuindo para os debates de situações atuais.
ExcluirNossa minha mestra!!!! Sem comentários. Que Deus a continue iluminando para criar muitos outros textos iguais. É sempre um prazer poder compartilhar e aprender com seus vastos conhecimentos da alma humana. Parabéns (mais um) de tantos. Bjs.
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