terça-feira, 11 de setembro de 2012


 
Da história para a vida

Circulou na internet a história que ficaria conhecida como “O Moleiro de Sans-Souci”,  que teria ocorrido no século XVIII,  e foi traduzida em versos pelo escritor francês  François Andriex   (1759-1833) .
Segundo o autor, Frederico II, (conhecido como “o Grande rei da Prússia”, exímio estrategista militar e amante das artes), resolveu construir um palácio de verão em Potsdam,  próximo a Berlim, na encosta de uma colina, onde havia um moinho de vento,  chamado de Moinho de Sans-Souci, nome que deu ao palácio.

Alguns anos depois da obra feita, resolveu o rei ampliar seu castelo. Incomodado pelo moinho que impediria a ampliação de uma ala, tomou a decisão de comprá-lo.
Procurado pelo rei, o moleiro recusou sua proposta, dizendo-lhe que não venderia sua casa em hipótese alguma, pois ali seu pai havia falecido e seus filhos iriam nascer.

Diante da negativa o rei advertiu-o de que, se o quisesse, poderia simplesmente lhe tomar a propriedade.
Dizem os versos que o moleiro, diante daquela velada ameaça,  teria respondido ao rei com a frase que se tornaria célebre:  “Como se não houvesse juízes em Berlim!”

Surpreso com a ingênua ousadia da resposta do moleiro que indicava, claramente, sua disposição de enfrentar um litígio com o rei na justiça, Frederico II desistiu da aquisição,  deixando o moleiro e seu moinho  em paz.
Diz-se que o autor concluiu seu conto deixando transparecer uma certa melancolia, ao mencionar que o respeito do rei acabou por prejudicar a própria província, como que a lamentar a atitude real diante de um simples moleiro.

Mesmo assim a história acabou imortalizada como um símbolo da independência da Justiça, fincada na crença do moleiro de que, apesar da diferença social entre ele e o rei, mesmo numa monarquia, a Justiça seria feita.
O moinho resistiu ao tempo e ainda existe hoje, como um símbolo físico daquela história transformada em versos. E sempre que um Juiz se posiciona com independência e justiça, ouve-se a expressão: “ainda há juízes em Berlim”

Esta é, certamente, uma ilustração do que, na essência, deve ser a JUSTIÇA, mas também um sinalizador de que, na prática, não é sempre assim que acontece.
Fazer JUSTIÇA efetivamente não é fácil!

Seu balizamento deve ser fincado na isenção, na busca da verdade real, na aplicação da lei da forma mais justa possível, ou seja, adequada à situação de fato, e na mais completa desconsideração de quem sejam as partes, seu poder aquisitivo, sua qualificação, sua ideologia ou sua posição social, e ainda, do que pense quem quer que seja.
Mas esse é um exercício árduo, e nem todos os julgadores conseguem atender a todos esses quesitos, principalmente em tempos em que predomina a quantidade sobre a qualidade, e em que, não raro,  há muitos tentando influenciar decisões, seja com  promessas, seja com ameaças.

Se a falta de ética e a parcialidade contaminam o julgado, o desconhecimento dos desdobramentos legais à luz do fato o ferem de morte, as influências oriundas de pressionamentos nublam a visão e a pressa viola os mais ínfimos princípios do que seja a Justiça.
Falta de condições materiais e humanas nos Juízos, pressão oriunda dos órgãos superiores e pressões externas são variáveis constantes nesse mister que deveria ser praticado num santuário isento de tudo isso.

Mas, ainda que haja inúmeros obstáculos, o papel do Juiz é o de julgar, contra tudo e contra todos, tendo por meta, apenas, fazer emergir a verdade.
E isso é  tarefa para poucos!

Penso que a carreira de Magistrado deveria ser precedida, indispensavelmente,  de teste vocacional, sem o quê nem se poderiam submeter os candidatos às demais provas.  
E é certo que muitos seriam reprovados e nem chegariam a testar seus conhecimentos efetivos.  E muitos dos Juízes atuais jamais poderiam sê-lo.

A vocação é mais importante do que os conhecimentos propriamente ditos, pois aquela não se adquire. Estes sim!
Um magistrado que não tenha todos os conhecimentos que se espera para o cargo, uma vez na carreira, poderá aplicar-se, com melhor condição financeira, para aprender mais e mais. Afinal, na prática, os livros todos estão à sua disposição, sem falar na internet que, hoje, é a grande ferramenta de trabalho. 

Se o Juiz tiver que proferir uma sentença sobre algo a que não conheça profundamente, poderá estudar o assunto à exaustão, para fazê-lo com justeza.
O não vocacionado, ao contrário, a cada dia vai piorar mais e mais, diante das pressões, do acúmulo de serviços, e, sobretudo, por não amar o que faz, condição sine qua non para o exercício dessa linda e séria profissão.

E, sem vocação, sem amor pela profissão, de nada adianta o conhecimento, pois ele não se aplica sozinho!  E a Justiça acaba por se perder nos labirintos da má-vontade, da omissão, da falta de vontade de ouvir testemunhas ou de ler peças e documentos grandes, para a produção de prova consistente, e se esfacela no lodaçal do comodismo, da indiferença e da omissão.
E mesmo aqueles que ingressam pelo chamado “Quinto Constitucional”, ou seja, sem concurso, pela via da política, não poderiam ser dispensados de uma prévia análise psicológica e vocacional, que lhes apontasse a existência de dom e aptidão para o cargo. Essa é a mínima garantia de excelência da Magistratura.

Afinal, o que mais se vê, ultimamente, são Magistrados histéricos, mal educados ou acometidos de um grave grau de “Juizite”,  que os tornam incapazes de olhar com isenção as situações que lhes são trazidas, até porque, assim agindo, afastam os jurisdicionados, atemorizando-os e desestimulando-os a buscarem seus direitos. E no céu da Justiça, onde deveria predominar um azul cristalino, escuridões enevoadas desfilam seu negror, espalhando sombras.
Também há os Magistrados sucumbidos pelo excesso de serviço e pelas infindáveis exigências dos Tribunais Superiores,  que têm as luzes da mente ofuscadas pelo cansaço ou desestímulo, e que se desintegram nos cinzas borrifados pelas nuvens do desânimo ou da silente conivência.

Outros tantos Juízes se deixam levar por pressões externas de toda espécie,  proferindo sentenças que são impressas com os matizes da influência, e que, mais cheirando a injustiça, se apresentam descascadas como tinta velha.
Talvez eu devesse me desculpar com aqueles que se sintam ofendidos com o que aqui estejam lendo, mas, pensando melhor, não!  Afinal, quem se sentir ofendido é porque vestiu a carapuça, ou se encaixou no molde, de alguma forma, e deve, sim, rever sua carreira, suas atitudes, seu comprometimento com a verdade, sua dedicação e zelo com a Justiça que jurou praticar.

Mas, para nosso alívio, nem todos são assim!
Sempre há uma luz no fim do túnel, e, no fim das contas, ainda que em porcentagem infinitamente inferior ao que desejamos, há Magistrados que, apesar de tudo, se lançam de corpo e alma à sua sacrossanta missão, que acreditam no que fazem, que não se furtam de buscar a verdade onde quer que ela esteja, que não aceitam provocações ou pressões de qualquer ordem, que, mesmo exaustos não se esquivam das agruras e durezas de seu mister e que, enveredando pela estrada da verdade que buscam incansavelmente, pintam suas decisões com as tintas da verdadeira Justiça, não deixando estancar o fluxo da verdade que apregoam.

Estes são os Magistrados-Verdade, ou Magistrados-coragem, que são vocacionados, que amam o que fazem e que escrevem suas sentenças num céu de transbordamento, azul e translúcido como o olhar que lançam sobre o mundo e sobre as pessoas.
E finalmente podemos dizer que  “ainda há juízes em Berlim”.

E eu diria, no Brasil também!!!!

 

                                                                       Linda Brandão Dias

                                                                           10/09/2012

Um comentário:

  1. Minha amiga: como fez bem para minha alma ler este texto lindamente escrito por você. Com meu carinho, bjs. Lucilla.

    ResponderExcluir