sábado, 27 de outubro de 2012


CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

            Como todos sabem, o julgamento do Mensalão do PT ganhou destaque nos noticiários, e até mesmo os mais desinteressados acabaram por ter notícia do que se passa.
            Numa das sessões recentes, os Ministros do  Supremo Tribunal Federal  apregoaram em seu julgamento que houve compra de apoio político no primeiro mandato do governo Lula para que parlamentares votassem a favor de leis de interesse do governo. E entre os projetos que, segundo o Supremo, foram negociados dessa forma, está a Emenda Constitucional 41/2003, da reforma da Previdência.

            Na sequência, um corajoso Juiz da 1ª Vara da Fazenda de Belo Horizonte, ao julgar em processo relativo a reajuste de pensão de um servidor público, deu procedência à ação, anulando os efeitos da reforma da Previdência de 2003, aduzindo, com base no julgamento dos Ministros, que, se a reforma só foi aprovada pelo Congresso com a compra de votos, ela é inválida, como o são todos os seus efeitos.

            Segundo o juiz, que destacou a tese do Ministro Relator Joaquim Barbosa, que foi seguida pela maioria dos demais Ministros, aquela Emenda Constitucional não foi  fruto da vontade popular, que tem representatividade na atuação dos parlamentares, mas na compra de votos.

            Em sua decisão datada de 03 de outubro, o juiz Geraldo Claret disse que as leis aprovadas dessa forma contêm vícios de decoro parlamentar o que destrói o sistema de garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito, fazendo alusão à teoria dos frutos da árvore envenenada, utilizada na jurisprudência do Direito Penal.

            Embora cerca de 5 ministros do Supremo tenham sugerido, durante o julgamento, que são contrários à anulação das reformas aprovadas com  a compra de votos, compra essa que fundamentou a condenação dos réus na Ação Penal 470, a situação já se tornou geradora de, no mínimo, questionamentos vários sobre a validade desses atos viciados.

            O Ministro Gilmar Mendes, no dia 09 de outubro, atestou, apesar da proclamada negociação de votos, que a legalidade das reformas está mantida, entendimento que, sem adiantar votos, foi seguido pelos ministros Luis Fux, Rosa Weber e pelo relator do processo Joaquim Barbosa.

            É claro que o julgamento do atento juiz vale somente para o processo em que proferida a sentença, não se estendendo a outros casos. Mas já serve como arauto de um posicionamento justo.

            Mas a polêmica sobre a invalidade das leis aprovadas com vício de forma  já foi efetivamente levantada durante o julgamento da Ação Penal 470, pelo ministro Ricardo Lewandowski, revisor da Ação Penal 470.

            Efetivamente ainda não se sabe a extensão catastrófica desse mar de lama. Mas as regras do Direito são claras e seus princípios não poderão ser varridos para debaixo do tapete por casuísmos atípicos.

            Onde há vício, há nulidade. E, nesta hipótese, insanável. Descabe, no entanto, dissertarmos aqui sobre a teoria das nulidades.

            Ouvi, numa reportagem, um dos ministros dizendo que o juiz havia se precipitado ao julgar daquela forma, pois as leis em questão, uma vez que não revogadas, ainda permanecem em vigor e devem ser obedecidas.

            Olvidou-se, no entanto, o ilustre Ministro, da possibilidade que os juízes têm de declarar a inconstitucionalidade das leis em caráter incidenter tantum, ou seja, somente dentro daquela situação e ação específicos, o mesmo valendo para a declaração de sua nulidade.  Que foi o que aconteceu.

            A árvore está envenenada, sim. Consequentemente, seus frutos não podem ser consumidos. Está certíssimo o juiz que sentenciou de forma a desconsiderar a reforma viciada, concedendo o reajuste pretendido pelo autor da ação.

            Não se pode admitir, num Estado Democrático de Direito, que parlamentares eleitos pelo povo, para representá-lo, votem seu apoio a leis que prejudicam o cidadão em troca de pecúnia.

            O sistema previdenciário, por seu turno, já  é um sistema cruel, mal administrado, que alimenta fraudes e falcatruas, frequentemente noticiadas, e o cidadão que contribuiu muitas vezes durante toda uma vida, para ter sua pensão ou aposentadoria, acaba tendo seu benefício negado, dificultado, atrasado, achatado e cada vez mais diminuído por conta de reformas como essa que, uma vez mais, veio a apequenar os ganhos já tão ínfimos dos que dependem desse  miserável ganho.

            Diante desse fato, será bom que muitos Geraldos Clarets surjam, tendo o discernimento e a coragem de dar a Cesar o que é de Cesar, interpretando a lei como deve ser, à luz dos seus mais valorosos princípios.

            Aliás, o próprio S.T.F., em diversas outras ocasiões, manifestou entendimento de que é obrigatória a observância do devido processo legislativo, sob pena de trazer à norma a nódoa do vício da inconstitucionalidade. (v.g. ADI 574, Rel. Ministro Ilmar Galvão, e HC 77.724, Rel. Min. Marco Aurélio.)

            Louvando a iniciativa do Juiz, entendo que nenhuma das votações efetuadas sob a égide do mensalão devam permanecer válidas, porque o processo legislativo deve ser conduzido com a observância dos mesmos princípios que presidem o Estado Democrático de Direito,  tendo como pano de fundo a ética e a honestidade.

            Do contrário, se mantido o vício de forma, pelo qual vendida a soberania popular, estará o judiciário a  desaguar numa simples retórica esvaziada de sentido. E de Justiça!

Linda Brandão Dias

26/10/2012

Um comentário:

  1. Linda: somente hoje pude ler os textos de outubro (como já havia lhe falado) e fico penalizada por ter perdido os dias em que foram postados. Mas os seus temas são atemporais. Continuo cada vez mais suspeita para postar comentários já que sempre fui amiga e admiradora. Mas é com a devida imparcialidade que registro o quanto me encanta ler o seu blog sempre. Beijos. Lucilla.

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